São 90 anos de história que ligam a família Cardoso à Amorim. De Mesão Frio para Meladas, da quinta para as fábricas, passando pelo bairro. Memórias de bailaricos, de desfolhadas e de excursões. Décadas de muito trabalho e dedicação. “Uma vida em família”, bem grande, diga-se de passagem. Uma família que, com orgulho todos descrevem, esteve “sempre unida”.
Para contar a história da família Cardoso temos de regressar às suas origens. Ir Douro acima, até Mesão Frio, Vila Real. É lá que, no ano de 1970, numa das visitas de negócios à pequena vila, José e Joaquim Amorim descobrem Manuel Pinto Cardosoe Ermelinda Lopes. Manuel e Ermelinda “faziam terrenos, nas quintas de senhores que vendiam cortiça para a Amorim”. José e Joaquim procuravam caseiros para a quinta da família, em Meladas. Assim avançou “o combinado” que viria a mudar o rumo da família Cardoso para sempre.
Nesse mesmo ano, Manuel e Ermelinda deixam Mesão Frio com “os filhos caçula,que ainda não trabalhavam”: Fernando, Joaquim, António, Celestino e Francisco.Para trás ficam outros quatro, Idalina, Alice, José Luís e José Manuel, que em breve se juntariam a eles, por esta ordem. Foi esse o acordo, não se sabe se “por escrito ou apalavrado”: os Cardoso vinham para Meladas na condição de “trazerem os filhos casados e solteiros”, que iriam ajudar no campo, “mas teriam de ter trabalho nas empresas da família Amorim”. E assim foi. Nos primeiros anos da década de 70, à exceção de Celestino e de Francisco, todos os filhos rapazes de Manuel Cardoso e Ermelinda Lopes e os dois genros, Zé, casado com a Alice, e Manuel, casado com a Idalina, arranjaram trabalho nas fábricas. Um atrás do outro, foram quase todos parar à Corticeira Amorim, atualmente denominada Amorim Cork Composites. Só Fernando e António ficaram na Unidade de Revestimentos, atual Amorim Cork Flooring. José Almeida, um dos genros de Manuel e Ermelinda, trabalhou na Corticeira Amorim durante 37 anos. “Era o senhor da serra” e “também sapateiro do pessoal”. António Martins Pereira, o segundo genro, trabalhou outros tantos na trituração. José Luís, um dos filhos mais velhos, operava “a prensa do BL2, na altura chamavam-lhe prensa dos blocos”. Ficou quase quatro décadas na empresa, até ir para a reforma. Também na Corticeira Amorim, o irmão, José Manuel, hoje com 74 anos, fez um pouco de tudo. “Trabalhei desdea entrada do portão até ao fundo da fábrica”. “Ainda hoje tenho amizades de lá”, refere. Amizades de um tempo onde “a mentalidade e o espírito eram outros”. “Era outra vida. Uma outra vida onde trabalhava-se muito.” Ainda assim, “na quinta trabalhava-se mais”, prontamente acrescenta José Manuel. “Chegamos a ter 23 bois”, refere com orgulho. Os Cardoso “trabalhavam na fábrica e, no final do horário laboral, iam para a quinta”. Ermelinda e o Sr. Manuel da quinta, como era carinhosamente conhecido Manuel Cardoso na terra, não tinham salário, mas usufruíam de tudo o que a quinta lhes dava. “Podiam ter o gado que quisessem” e ganhavam com a venda dos animais e da fruta. Assim estiveram “nove, dez anos”, até que, com a chegada da velhice, “já não podiam fazer os campos” e foram viver para casa da filha Idalina, no bairro Amorim. Memórias felizes da quinta são “todas”, diz José Manuel enquanto sorri. “Conhecemos os filhos da Dona Margarida, da Dona Luzia, do Sr. Américo… iam para lá todos e a gente lidava com eles”. Laurinda, mulher de José Manuel, recorda que “eram bons tempos, principalmente para as crianças”.
Crianças foi coisa que não faltou na família Cardoso. O clã de nove filhos deu origem a duas mãos cheias de netos. Mais de uma dezena de primos Cardoso criados na quinta de Meladas. Embora, aos poucos, os Cardoso tenham passado “a ter as suas casinhas no bairro Amorim”, as memórias mais marcantes foram passadas na quinta de Meladas”, afirma Luís Cardoso, filho de José Manuel. “Vinha-se dormir a casa, mas a vida era toda feita na quinta”, recorda. No caso do Luís, a afirmação não podia ser mais verdade pois, há 48 anos, foi esse o local onde nasceu. “Já não houve tempo para ir para o hospital de Oleiros”. Teresa e Ana Paula, filhas de Idalina Cardoso, recordam a infância na quinta com “muitas saudades”. “Fazia-se de tudo, belos tempos”, recorda Ana Paula. Teresa, hoje com 49 anos, tem imagens vívidas desses tempos. “Andar a puxar os bois com as carroças e o meu avô a dizer – segura aí, não te mexas! – e eu com a varinha na mão e eles quietinhos. Apanhar morangos silvestres… tempos bem vividos e a família sempre unida”, conclui. Por sua vez, João Pedro, filho de José Luís Cardoso, lembra-se da avó “a vender fruta” e “de ir jogar futebol para um campito que a gente lá tinha”. Já Isabel, filha de Alice Cardoso, e Ivo, filho de Fernando, não têm grandes memórias. São dois dos primos mais novos. Mas o que falta em recordações a Isabel, sobra a Maria do Céu, a sua irmã mais velha. “Tenho muitas memórias! Nas férias da escola o meu avô colocava-nos com uma lata e um pauzinho a espantar os pássaros no campo de milho. Lembro-me dos carros de bois, dos porcos... íamos com ele apanhar erva em cima do carro de bois, todos consolados. Fazíamos as desfolhadas. Aqui na zona as pessoas iam ajudar”.
Embora ninguém da família Amorim vivesse lá na quinta, o local “era um ponto de concentração”. Estava sempre cheio de gente. “Ofereciam a quinta a colónias”, aos “missionários”. “Todos os anos organizavamse excursões da 3ª idade. Era cada festa de arromba que faziam ali. A Tininha punha a quinta para eles. Era bailaricos… nós ainda nos lembramos disso. Nós participávamos em tudo”. Tininha era uma das irmâs Amorim, de seu nome Albertina, a irmã do meio, uma figura saudosamente acarinhada pelos Cardoso. Com “a menina Tininha, manteve-se sempre uma relação muito próxima enquanto ela foi viva”, conta Maria do Céu. “Eu gostava muito dela e ela de mim. Tenho saudades, tenho muitas saudades”, recorda Ana Paula. Da dezena de primos Cardoso criados na quinta, nove acabaram a trabalhar na Amorim Cork Composites (ACC). Hoje trabalham lá sete: Luís, Teresa, Ana Paula, Maria do Céu, Isabel, João Pedro e Ivo. Estão dispersos pelas diferentes áreas da fábrica. Maria do Céu é rececionista, mas dentro da empresa já fez um pouco de tudo. Entrou na Amorim com 17 anos, está há 32 na empresa. “Antigamente não trabalhavam aqui senhoras, as poucas que trabalhavam eram senhoras de idade, coziam sacos de granulado. Quando abriram o pavilhão das juntas foi quando começaram a colocar mulheres. Éramos conhecidas como as menininhas novas, era o setor mais jovem da Corticeira”, recorda com saudades. Foi também nas juntas que começou a prima Ana Paula. Hoje está “na montagem de memo boards”. Veio para a ACC com 19 anos, “para ter os direitos”, hoje tem 48. “Todos os momentos que passo ali dentro são especiais para mim, eu gosto de trabalhar, gosto de fazer aquilo que faço, todos os dias aprendo coisas novas”. No mesmo setor da empresa encontramos Isabel e Teresa. Isabel é team leader da área. Tem 44 anos e está no grupo há 26 anos. Sobre trabalhar com familiares tem uma filosofia simples: “dentro da empresa não há primos nem tios, há colegas de trabalho”. A prima Teresa está no setor há 32 anos. “Qualquer dúvida é comigo que vêm falar”. “Gosto muito do que faço, isto é a minha praia”.
Do lado dos rapazes, encontramos Luís Cardoso, de 46 anos. “Eu dizia sempre que não queria vir para aqui, não queria vir, mas em 95, quando regressei do serviço militar, vim cá a uma entrevista e acabei por ficar”. Está na ACC há 25 anos. “Neste quarto de século, recorda alguns momentos difíceis, como o ano de 2009. “Foi quando vim para responsável de produção e foi quando tivemos aquela crise mundial. Uma altura em que “entrava às 6 da manhã e saía de noite”. Ainda assim, acredita que “quando não há espírito de sacrifício, não há paixão”. E é exatamente essa paixão que Luís acredita ser o segredo dos 150 anos do grupo. João Pedro, de 48 anos, começou a trabalhar na ACC com 14. Saiu e voltou em 1994. “Estive nos cilindros, depois fui para as prensas, corri praticamente a fábrica toda e agora sou motorista”. Ivo é quem está há menos tempo na fábrica. “Tenho 30 anos, sou quase de outra geração”. Começou na unidade de revestimentos, mas, em 2005, juntou-se ao resto da família. Trabalha no turno da noite, “na laminagem de blocos”. Ao longo de várias décadas de trabalho “mudou muita coisa” na ACC, todos concordam. “A dimensão da fábrica”, destaca João Pedro, e “a segurança, que tem sido cada vez mais reforçada”, acrescenta. Maria do Céu sente falta “da união” e da “cumplicidade entre colegas”. “Vai ficar para a vida, são muitos anos a trabalhar numa empresa”, conclui Isabel. Hoje em dia, os Cardoso reúnem-se religiosamente uma vez por ano, no verão. “Há casamentos com menos gente”, diz Maria do Céu. Este ano o vírus estragou os planos.